Desde a safra 20 o produtor de café vem vivenciando períodos de instabilidade, seja com as condições climáticas ou na intensa volatilidade nos preços. Com a safra avançando no Brasil e com o mercado precificando com bases nas condições das plantas já para o ano que vem, só no mês de junho as cotações na Bolsa de Nova York recuaram 40% no comparativo com o mesmo período no ano passado.
Entre o primeiro e último dia útil do mês, o contrato referência foi de R$ 1.020,00 para R$ 830,00 o tipo 6 bebida dura bica corrida, o que representa uma baixa de aproximadamente 19% no período. Diante deste cenário e com os custos elevados dos últimos ciclos, os dados mais recentes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostram que as contas "empatam" ou não têm grande lucratividade para o cafeicultor.
O levantamento realizado por Raquel Miranda, assessora técnica da CNA, a pedido do Notícias Agrícolas, mostra que no período dos últimos anos, apesar da explosão dos preços sustentada pela preocupação com a oferta, com os custos elevados o produtor teve apenas um ou dois meses de lucratividade atrativa nos últimos três anos.
Atualmente a CNA monitora os custos de produção no arábica e no conilon, e em seis estados, sendo eles: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rondônia, Bahia e Paraná. Neste sentido, três indicadores são avaliados pela avaliação: Custo Operacional Eefetivo que corresponde aos desembolsos diretos da produção, Custo Operacional Total que são os desembolsos diretos mais a depreciação dos bens de produção e o pró-labore do produtor, e o custo total da safra que além dos custos mencionados considera o “custo de oportunidade” e a remuneração dos bens de capital.
Os valores foram avaliados com as negociações do último mês de junho e segundo a especialista nenhum dos três indicadores apresentou patamar positivo de lucro econômico no período.
No mês de setembro de 2022, quando a CNA fez o recorte da safra passada, os dados indicaram que apesar do custo de produção elevado - principalmente puxados pelos fertilizantes, o mercado também operava com café nos patamares de R$ 1.300,00 e apenas uma das praças avaliadas apresentava margem líquida negativa para o produtor. Neste momento, com a pressão nas cotações, e do preço pago ao produtor, o cenário é o oposto.
"Você olhava para a cafeicultura e via a cafeicultura em um bom momento, em que a maioria dos painéis estavam em um bom momento econômico ou pelo menos com a margem bruta positiva. Hoje nós já estamos falando no preço de venda do café arábica em torno de R$ 850 a saca (arábica) e isso mostra que para todos os 15 painéis acompanhados pela CNA, no retrato de junho, que não tem nenhum painel dando lucro, cobrindo todos as custos de produção”, comenta.
Raquel explica os indicadores ou mostram que esses números mostram que outras atividades apresentam cenário de pouca atratividade em comparação com outras atividades. "O termo prejuízo dentro da análise econômica indica se essa atividade está sendo mais ou menos interessante em comparação com outra atividade, que aí a gente compara com uma atividade que rende 6% ao ano, que seria o rendimento histórico da poupança", explica.
Entre os 15 painéis avaliados pela CNA, quatro deles mostraram que o produtor perde em termos de atratividade, mas ainda pagam o custo e remuneram o produtor. Oito mostraram "empate" na vida financeira deste cafeicultor, ou seja quando ele paga o custo e cobrir os custos da família. E três painéis, que correspondem a 20% de toda a análise, não cobrem nem os desembolsos diretos realizados pelo produtor. "Não está cobrindo nem aquilo que o produtor está tirando do bolso para produzir o café. Esse cenário no retrato de junho de 2023", afirma.
O levantamento mostrou que apesar da queda nos fertilizantes, esse ainda é o grande gargalo do custo de produção no café, que corresponde entre 30% e 35%. Na sequência aparecem a mão de obra e gastos gerais. A CNA avalia de forma separada os custos para a produção manual, semi-mecanizada e as lavouras que são 100% mecanizadas.
No caso das áreas manuais e semi-mecanizadas, a mão de obra representa entre 40% e 28% do custo do desembolso direto respectivamente, considerando tanto a condução das lavouras e da colheita. Já nas áreas 100% mecanizadas, o custo é de no máximo 20%. No gastos gerais são consideradas as compras de materiais para o momento de colheita, como por exemplo: panos, EPIS, óleo para maquinário e manutenção dos tratores. A avaliação também considera a taxa de juros para aquele produtor que utilizou alguma linha de crédito.
“Muitos desses produtores ou zeraram esse recurso ou reduziram significativamente a tomada de crédito para fazer o giro da atividade. Nesse cenário que estamos vendo agora e ainda o produtor carregando um custo muito alto, provavelmente mesmo com os juros altos, esse produtor vai ter que tomar crédito para girar essa atividade. Dos 15 painéis, nenhum está sendo mais atrativo quando comparado com outras atividades. Muito provavelmente o produtor vai se ver forçado a pegar crédito mesmo que esse crédito esteja com juro elevado”, comenta.
E O FUTURO?
A safra 23 ainda está em andamento, mas já é hora do produtor começar a pensar no próximo ciclo. Com o mercado apostando em uma recuperação para produção do Brasil, não há no curto prazo a expectativa dos preços retornarem a casa dos R$ 1.300,00. Do outro lado, também não há expectativa de redução nos custos de produção de forma significativa até a entrada do próximo ciclo.
Entre os fatores de manutenção para os custos elevados, estão os gastos com combustíveis e fertilizantes com alta estimada em 20%, a depender da aprovação da Reforma Tributária o custo desses itens podem ser ainda mais impactados. Já os custos com a mão de obra, podem avançar mais 5% no próximo ano.
“Enquanto o preço de venda do café deve se manter nesses patamares, entre R$ 800 e R$ 900 no arábica, é o que a gente avalia para esse intervalo. É claro que isso vai depender do câmbio, da oferta de outros países. Para o arábica o mercado está apostando em uma safra muito boa já neste ano, e para 2024 que deve ser uma safra melhor que 23. Nós estamos falando de um cenário atual de margens apertadas na maioria dos painéis, mas se continuar nessa perspectiva de aumento de custo, provavelmente essa cafeicultura deve ficar no vermelho, muitos painéis não cobrindo os desembolsos diretos principalmente quando olhamos no cenário de médio prazo”, afirma.
Literalmente “batendo com a água no pescoço”, como afirma a especialista, caso os preços recuem mais, o produtor pode não conseguir cobrir os custos. Raquel explica que neste momento, a melhor opção para o produtor é planejamento e gestão.
“Se o produtor não se planejou nesses últimos dois anos, nesse período, mesmo que de curto respiro, fica difícil se planejar agora com o cenário menos favorável, onde estamos vendo a margem apertada. Mas é importante fazer gestão de preços de vendas, trabalhar com mecanismo de mercado a termo - seja através de cooperativas ou seja operando em bolsa”, complementa.
Raquel relembra ainda que é importante que o produtor tenha participação nesse mercado futuro para não sentir os impactos de forma negativa no médio prazo. “Diminuiu muito a quantidade de produtores com travas para 2023, 2024 e 2025. Muitos desses produtores estão desprotegidos nesse mercado “a termo”, eles estão especulando. É preciso ter planejamento, gestão dos preços de venda, trabalhar trava, mas também trabalhar parceiros comerciais que vão agregar valor ao seu café, isso é um plus”, comenta.
Acrescenta ainda que é importante que o cafeicultor esteja atento a todas oportunidades de mercado, tanto com as cooperativas, mas também com as vendas diretas, sobretudo aqueles que produzem café especial.
“O cenário hoje não é tão positivo, mas ainda é um cenário em que o produtor consegue fazer travas para 2024 na casa dos R$ 1.000,00. Ele ainda consegue fazer negócios mais positivos, dependendo da cooperativa ou a trader que ele vai procurar. Precisa ficar de olho no mercado climático, às vezes em um “alarme climático” é a hora de fazer uma trava. Procurar uma seguradora, principalmente naquelas regiões que têm mais risco e continuar trabalhando na qualidade e agregação de valor e ser cada vez mais eficiente e profissional na sua atividade. Agora é a hora de se pensar em análise solo, análise foliar para não errar na adubação, em quais investimentos são interessantes para otimização de custos. Estamos falando em um cenário de pelo menos até 2024 de muitos desafios para a cafeicultura”, finaliza.